segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"Retrato frio" - parte 10 de... "Sonho real.... ou sonhado?"

Porto, 12 de Janeiro

Ainda me custa a acreditar na sorte que tive... há dias diambulava como em qualquer outro sítio da cidade, independentemente da chuva miudinha que teimava em querer fazer companhia... Caminhava pela minha cidade, pelo meu lugar que infelizmente era a minha casa (a rua) e encontrei o meu anjo na terra. A Marta caminhava pela artéria onde me encontrava e apesar do meu mísero aspecto reconheceu-me. Contei-lhe a minha história e ela ofereceu-me um tecto... Até quando? Apenas o tempo o poderia dizer, desde que eu não roubasse nada nem tocasse em nada que não fosse meu ela gostava de me ter por lá. Lembro-me quando ela falou comigo na noite em que eu fui jantar: a noite que mudou a minha vida...

- Se algum dia roubares... Parou de repente! Pediu-me desculpa, pelo que eu disse:

- Marta, eu não sou ladrão, sou infelizmente sem abrigo...

- Só de pensar que um dia partilhámos o palco do Coliseu custa-me a acreditar que és tu o sem abrigo que eu descobri por acaso hoje na rua. Ainda não consegui juntar as peças todas do puzzle mas acho tudo muito difícil de acontecer. Será que este mundo é um lugar bom para se viver? Não podemos apanhar um avião e ir para outro planeta onde as injustiças só acontecem às pessoas más?

- Pois... Se calhar eu fiz algo de mal na outra vida para agora estar a pagar por esses erros. Posso-te contar um segredo Marta?

- Claro! Que se passa?

- Lembras-te de te ter apresentado os meus pais num recital na Fundação Coopertino de Miranda?

- Sim, lembro-me perfeitamente!

- Pois é! Acontece que esses não são os meus verdadeiros pais... Fiz um silêncio arrebatador quando me interrompeste com um:

- Hã!? Conta-me lá isso como deve ser...

- Então é assim: quando eu nasci, a minha verdadeira mãe não tinha como tomar conta de mim, ela era mulher a dias na casa dos meus tios, o Justino e a Joana. Eles tinham muito dinheiro e conheciam casais que eram influentes importantes na cidade, muitas ligadas ao comércio do vinho do Porto e então os meus pais adoptivos ficaram comigo desde o primeiro mês... Sempre os vi como pais, aliás, não tinha porque não os ver... deram-me o mundo, o mundo que eu sempre gostei.

- E sabes agora onde anda a tua verdadeira mãe?
....
- Tenho medo de a ver! Não sei onde vive. Há tempos lembro-me de ter encontrado um senhor que conhecia a minha mãe, de seu nome António, não me perguntes como é que ele me reconheceu, nem eu sei como tu me reconheceste. Tinha-me dito que a minha mãe tinha saído da casa dos meus tios passado pouco tempo de me terem deixado ao cuidado dos meus pais adoptivos e foi viver / trabalhar para Espanha, mais concretamente em Barcelona. Começou por trabalhar como empregada de limpeza num restaurante no bairro gótico, depois passou por um hotel como empregada de andares e só saíu de lá quando tinha dinheiro suficiente para viver aqui em Portugal mas não sei exactamente o ano em que regressou. Ele disse-me que não sabia onde ela vivia mas que ainda era viva... Quando ele me disse que ela estava viva pensei em correr a cidade de fio a pavio mas também não tinha a certeza que ela morava no Porto, nem tão pouco como ela era agora. Diz-se que os pais reconhecem os filhos, mas o inverso.... ainda estão por confirmar.

- Não conheces ninguém que te possa ajudar? Tens o nome dela? Conheces mais alguém?

- Não! Só sei que durante anos fui feliz com pessoas que achava que eram meus pais. A minha mãe deve ter sofrido com a separação e agora deve sofrer se souber que vivo, ou melhor, vivia na rua. Mas sinceramente não sei o que nem como vou fazer.

- Vais procurá-la! Eu vou ajudar-te!

- O que virá por aí, Marta?

- Um futuro melhor...

Quando ela me disse estas palavras soltei uma lágrima, que desceu pelo meu rosto aos meus lábios. Nesse momento senti ao mesmo tempo forças para a procurar mas falta delas para continuar a lutar... Já passaram anos... A minha mãe não me vai reconhecer, nem eu a vou conhecer. Será que o destino não quer que eu seja feliz?


Porto, Rua da Torrinha nº 215

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