sábado, 13 de novembro de 2010

"Retrato frio" - parte 2 de...

"Porto, 2 de Dezembro de 2008

Esta data fica para sempre marcada como o início de uma nova etapa na minha vida... Sinto a vergonha de olhar para trás e abandonar a casa que em tempos julguei ser capaz de manter mas foi pura ilusão... Deixei lá tudo o que tinha, o meu cão ficou para trás, a minha Teresa e o nosso primeiro filho... Ela, foi para casa dos pais e levou o miúdo. Eu tenho vergonha de pedir ajuda a quem quer que seja, deixei de falar com os meus pais há uns anos largos, entretanto a minha mãe faleceu. Não estive no funeral, estava em Budapeste para dar um recital de música clássica também com um grande pianista romeno, de seu nome Constantin Sandu, não senti a dor que um filho sente, deixaram de ser meus pais, cortei relações em definitivo com eles... Lembro que cheguei a Budapeste, tinha uma mensagem do meu irmão a dizer que a mãe tinha sido internada e que seria bom eu estar no Hospital, mas eu não voltei para trás. Enviei uma mensagem a dizer onde estava e que eles já tinham deixado de ser a minha família, apenas contava com ele para o que desse e viesse.

Morava perto de Miguel Bombarda, numa das zonas históricas do Porto, lugar da boémia e das noites mal dormidas, ou por trabalho ou em lazer, ali pelos lados de Cedofeita, num café onde persistia um velho steinway com vista para uma parede onde Marlyn Monroe sorria... Grandes noites passámos nós, digo nós, músicos e boémios do Porto Velho, aquele Porto que os turistas não conhecem e que teimam em não querer conhecer... Pedi abrigo temporário a um grande amigo meu, Eduardo Brás de seu nome, era solteiro, tinha 30 anos e uma vida de boémio também, era poeta e escrevia umas colunas para um jornal do Porto e depois tinha o seu blog na internet. Raramente nos encontrávamos, mas lembro-me que por mais de uma vez me pediu para que lhe arranjasse bilhetes para um recital meu. Lembro-me muito bem do último concerto que ele assistiu: foi na fundação Copertino Miranda e depois fomos jantar uma francesinha ao tal café que tinha o piano e por lá continuamos noite dentro... Abriu-me as portas de sua casa como se fosse minha mas não queria abusar da sua boa vontade. Expliquei-lhe o que se passou, ao que ele me disse: - Mas eu não sabia que estavas com dificuldades financeiras!

- Não estava! Mas vivi sempre na ilusão que podia pagar pelo que fui comprando, lembras-te do Steinway que não tinha 2 anos? Comprei entretanto um Yamaha C4 e ia pagando ás prestações, depois comprei um carro para a Teresa a pronto, depois montei o estúdio lá perto... mais um investimento sem empréstimos... Quando fui a ver estava até ao pescoço a dívida...

- E os concertos?

- Dinheiro ainda não chegou e de alguns não sei se vou receber nem metade... Prometeram-me mundos e fundos e quem vai ao fundo sou eu...

- Vá tem calma, eu ajudo-te!

- Deixa-me ficar uns dias aqui até eu arranjar uma solução...!

- A casa é tua! Não te vou deixar ficar na rua...

- Tanto que lutei... A casa dos nossos sonhos fica agora nas mãos de um banco, o piano não o consegui pagar e eles vão-me lá buscar para a semana. Que vergonha!

- Vá! Não penses mais nisso, anda, vamos beber uma cerveja! Pago eu!

Escorreram-me as lágrimas pelo rosto ao ouvir estas palavras "Pago eu!". Em tempos eu convidava os amigos e eu é que pagava o jantar, e agora convidam-me para uma cerveja. Saí de casa e trouxe na carteira tudo o que tinha no meu cofre: 300 euros! É triste, mas é verdade! Amanhã vou tentar vender o meu relógio e a minha aliança, não faz sentido eu ter... As horas não preciso para nada, e a minha mulher... ficou para trás, para poder seguir a sua vida.... para a frente! A minha está a andar para trás, e hoje é só o primeiro de uma nova vida, seguramente, uma que não escolhi!

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