sábado, 21 de julho de 2012

Cadeira na janela

Costumava ver o meu avô sentado naquela cadeira junto à janela do quarto. A vista não era propriamente deslumbrante, vivia na cidade, no centro nevrálgico, carros passavam quase a um ritmo constante de dez por minuto. O meu avô contara-os no tempo em que já pouco ou nada fazia. Deitado na cama sorria para mim quando o visitava. Escrevia nos tempos em que a dor pouco o atormentava. Eu não vivia na mesma cidade, a avó não cheguei a conhecer, partiu pouco tempo depois de eu nascer. Mas o que vivera com o meu avô foi mais do que suficiente para que a cadeira vazia me fizesse confusão. Visitara-o nessa semana todos os dias, ficámos horas à conversa, tinha sempre a sua piada ou conselho para me dar. Nunca percebi o que ele quis fazer, pôr termo a tudo o que era em mim: uma vida. Ele decidiu a forma mais digna de partir, para junto do seu amor, a sua Josefina de sempre. Um dia cheguei a casa e ele disse-me: 

- Hoje, vou-te deixar sentar nessa cadeira. Quero fazer um desenho teu e quero que o guardes para sempre. Podes guardar como se fosse um segredo só nosso. Posso-te pedir antes uma coisa? 
- Sim avô, diz. 
- Nunca sejas incorrecto mesmo que essas pessoas mereçam. Terás a tua recompensa quando eles estiverem no chão, vais poder olhá-los de cima. 
- Não percebo o que me queres dizer, mas vou fazer o que me estás a pedir. 
- Sim, com o tempo vais perceber estas palavras. Agora deixa-te ficar aí a olhar pela janela. 

Olhei, e por momentos consegui perceber a vontade que o meu avô tinha de ficar ali sentado a olhar o mundo da cidade lá fora. Via pessoas caminharem para lojas, cafés, os mais pequenos jogavam à bola no jardim em frente. Guardei o desenho que o avô me fizera e disse-lhe adeus. Corrigiu-me, disse-me: 

- Rapaz, nunca digas adeus. Diz sempre até já. 
- Até já avô...

Saí de sua casa, apanhei o autocarro para a minha e parei no jardim a poucos metros da minha porta e sentei-me num banco a chorar. Sabia que aquela seria a última recordação, a última vez que o viria. Lavei a cara na fonte e deixei-me a respirar o ar perfumado que vinha das plantas. Abri a porta e estava uma carta na minha mesa de cabeceira com um envelope ao meu cuidado. Abri-o com toda a calma e emoção porque sabia: era uma carta de despedida do meu avô. A carta tinha por título "Até já, numa cadeira vazia". 

Meu querido! 

Quando leres esta carta já estou de malas feitas para partir para sempre. Lembra-te sempre dos meus conselhos, se esqueceres alguns não te preocupes, com o tempo recuperarás. Não fiques triste por não me veres até porque vou estar lá em cima numa estrela a olhar-te bem do alto. Não te importes de chorar agarrado aos teus pais ou aos teus primos, eles amam-te e sabem que também me amaste sempre. Foste um neto querido, um miúdo porreiro. A cadeira que estava no meu quarto é tua, se quiseres um dia ir buscá-la a casa, mesmo que a vista não seja a melhor talvez fiques mais próximo de mim. Deixo-te uma chave mas antes deixa o pó assentar, não quero que fiques com má impressão minha. A tua avó Josefina tinha razão: sempre fui um desajeitado nas lides mas sempre tomei bem conta da cadeira. A tua avó gostava de estar sentada nela quando a desenhava e ainda bem que ficaste com um desenho meu de ti. A cadeira está vazia, o meu coração vai cheio com as horas em que me preencheste em solidão acompanhada. Fomos companheiros, desabafámos, crescemos juntos, e como cresceste... Recebe um beijo e um abraço meu e lembra-te: nunca digas adeus. 

Fechei a carta e guardei o envelope em lugar seguro. A noite começara a descer na cidade, a minha janela tinha vista para o jardim. Olhei o céu e vi uma estrela brilhante. Sorri, pisquei o olho e disse soluçando: 

- Até já grande avô!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Ouvindo Messaien em concerto

Estou sentado na cadeira doze, na fila dez com duas pessoas a meu lado que desconheço por completo. As luzes vão ficando cada vez mais ocas, dispersas pelo tempo já acesas. Acordo com um estrondo de um sonoro violoncelo num solo. Não me reconheço sequer. Deixo-me ficar de olhos fechados, Messaien e o seu quarteto envolvem-me em pensamentos, mesmo que alguns de caril porco. Mas! Ainda agora jantei uma bela rejoada, não havia necessidade. O tinto soube-me pela vida e o charuto, ui, nem se fala. O tempo de tomar um café depois do jantar já o perdera, não me sentia o verdadeiro eu sem a cafeína correr-me nas veias. O meu vizinho do lado direito manda-me uma cotovelada, também ele adormecera à espera do artista principal e já agora, dos seus companheiros de palco. 

Não sei se por estar diferente - físicos e mentais - o som algo estranho do violoncelo eleva-me a um outro patamar. Bem! Agora sei onde estou e o que vim cá fazer. O tempo às vezes prega-me partidas e eu, de uma forma ou outra escrevo mentalmente o que ele me faz sentir. A rapariga que se sentou ao meu lado olha inesperadamente o telemóvel em busca de uma mensagem, de um ele talvez mas más notícias: a sala ficava uns metros abaixo do solo, portanto nem o melhor telefone alcançava rede. Fechou os olhos, olhei os seus lábios, depois as suas unhas, os cabelos castanhos e a carteira. Parecia-me pesada, perguntei se precisava de algo disse que não. Estava lá com vontade de ouvir música e muito pouca para falar. Faz sentido: nunca ninguém vinha a um concerto clássico para falar ou ouvir outros a falar. Perguntei o seu nome mas não me respondeu, fingiu não ouvir, distraiu-se a olhar para um sinal de saída "para cima". 

O espectáculo estava perfeitamente em condições para começar, do outro lado da sala sai um homem vestido tipo um pinguim do pólo norte. Sorrio, olho e a minha companhia da cadeira esquerda sorri também. Lanço um piropo ao que diz um obrigado. O espectáculo começa, os sons distribuem-se pela sala que se foi compondo nos minutos em que me distraí com os meus vizinhos. Assistimos ao concerto, ofereci boleia à rapariga, o outro claro que não, nem o conhecia. Agradeceu mas disse que preferia apanhar um táxi mas deixou-me um cartão com o seu telefone para tomar café. Quis fazer uma envestida momentânea enviei um sms algo atrevidote "espero-a no café três ás. Porque não falar sobre o espectáculo? Acredito que esteve sempre atenta, pelo menos não a vi olhar para outro lado que não o palco". Parei o carro em frente ao café, pouco tempo depois um táxi parou atrás de mim, não me acredito! Ela veio... Saiu do carro com um sorriso tímido no rosto e disse: 

- Só porque hoje não estou nos meus dias aceitei o convite. Estou sozinha mas precisava de desabafar...

Entrámos no café, ficámos horas a fio à conversa, ela com o telefone na mão e eu com a minha em cima da mesa a desenhar círculos. A mão direita estava no bolso do casaco, estava desconfortável em frente a ela, perguntou-me o que se passava comigo e eu respondi: 

- Deve ter sido o último rojão a fazer mal. 
- E o vinho? Foi tinto? 
- Foi. 
- Então é disso! Aconselho-o a tomar um chá que eles servem aqui.
- Obrigado pela sugestão.
- Olhe, por favor...

Olhou-me e disse: 

- Há pouco na sala perguntou-me o nome, não foi por ser mal educada, não estava em mim. Mas agora posso-lhe dizer: chamo-me Gabriela. 
- E eu, João. 

O chá bebemos até ao fim, curiosamente quando estávamos para vir embora nas colunas soaram os primeiros acordes da primeira música de Messaien. Com um ar entristecido olhei-a e disse: 

- Não sei se nos vamos voltar a encontrar, mas quando ouvir este senhor e companhia vou-me lembrar de si. 
- Eu também, pode estar certo disso.

O táxi chegou e ela partiu, Gabriela de seu nome. Eu, João parti para casa a ouvir Messaien na aparelhagem. Incendiei um charuto em casa com vista para a avenida da cidade. O táxi parou poucos metros à frente, dele saiu uma bela jovem, parecia ela. Olhou o céu e disse: 

- Não foi por acaso... não foi por acaso.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Penas no Brasil descem....

O Estado Brasileiro mostra-se extremamente preocupado com o número de cidadãos da cidade maravilhosa - e não só - de permanecerem anos a ver o sol aos quadradinhos, para que isso não aconteça decidiu fazer a seguinte proposta aos reclusos: por cada livro que lerem vêm reduzida a pena em 4 dias. Ora, a ser verdade, pessoas como o Duarte Lima ou o famoso homem que matou os quatro portugueses e os enterrou debaixo do cimento numa praia a sul de Fortaleza vão fazer vários pedidos nos próximos tempos. Duarte Lima goza de uma liberdade condicional em Portugal e não está nos planos dele regressar ao Brasil. A lei é tão boa que o arguido pode recusar cumprir a pena se permanecer no seu país de origem. 

Mas voltando à notícia que me trouxe aqui: a redução das penas - os responsáveis das prisões brasileiras querem apenas que os presos saiam no final das penas com uma visão mais alargada do mundo. Dizem que ler faz viajar e é isso que eles querem enquanto permanecem anos e anos nas celas e corredores frios. 

Podemos trazer o mesmo para Portugal? Pessoas como Carlos Silvino também agradeceriam só que não está previsto haver na prisão livros sobre pedofilia ou histórias de encantar jovens adultos. 

É caso para dizer: quantas mais palavras por dia conseguires ler mais cedo vens embora. Com uma vantagem: vens um ex-recluso mas muito culto! 


Francisco Milheiro 
Junho 2012 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Lugares comuns

Soam banais todas e quaisquer palavras que escreve agora, desta vez em linhas tortas. Serão elas tortas desde nascença ou a minha ínfima vontade de baixar a cabeça e deitá-la sobre o ombro me fazem crer que o mundo está ao contrário? Sinto-me cansado de escrever sobre lugares comuns, sobre os afectos que afectam cada vez mais o mundo, sinto a vontade de subir no lugar mais alto do mundo mas sentir nas pernas a dificuldade, chegar lá cima tirar todas as fotografias que a máquina me deixasse. 

Sinto vontade de fugir de lugares comuns, que o meu cão volte a ter a idade bebé, que o possa abraçar, lhe dar beijos e amassos na hora de dormir. Sento-me agora, ergo a cabeça de forma decidida com vontade de a manter assim - VIVA! Hoje sinto falta de lugares incomuns, jardins de inverno em que o barulho dos pássaros e o virar das folhas de um bom livro me fazem sonhar. Sim, hoje quero sonhar com lugares incomuns e já agora, viajar por eles. Não quero que o tempo se esgote em mim mas também não quero esgotar o tempo e fazer nele coisas comuns, dizer palavras banais e escrever de forma aparvalhadamente apaixonada. 

Quero escrever isso sim, sobre lugares incomuns, pelo menos para mim. Não quero deixar que as pequenas pedras me derrubem, nem sequer tenciono pedir desculpa por aquilo que não fiz. Quero subir no lugar mais alto do mundo e soltar um sorriso feliz. Quero ser o que não fui, quero ter o que não tive. Quero que o mundo se torne mais bonito, que cada esquina tenha a sua sombra e que não tenha medo do que está do outro lado. Quero poder fotografar à vontade os lugares comuns, talvez consiga fazer deles aquilo que quero fazer para mim. Construir à vontade um lugar onde me possa perder no jardim, escolher um bom livro, escrever palavras com sentido, ver o meu cão correr livremente. 

Hoje sinto falta de tudo, até de ver gente. Hoje talvez não seja aquele quem queriam que fosse, talvez as palavras me fujam para que corra atrás e seja feliz... num lugar comum: o mundo! Se foi nele que nasci e por ele percorri espero que me dê um lugar onde possa sentir o que sou, independentemente dos lugares comuns em redor, farei dele um lugar especial


Desabafos diários,
Francisco Milheiro 
Junho 2012

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O estranho acordar de uma manhã

O despertador toca, tantas vezes sem avisar a sua natural investida matinal. Nessa manhã Elisa, de seu nome porque tal assim a quis chamar acordou estremunhada, da janela do seu quarto pouco via mas o quase nada que via era o suficiente para lhe causar um sorriso nos lábios e um brilho aveludado nos seus olhos castanhos. As horas vão passando e o sono regressa e Elisa volta ao seu pequeno mundo. No tecto, preso por ganchos de montanhismo está um balouço em forma de meia lua, Elisa permanece impávida e serena contando aproximadamente o seu balançar, senta-se nele e observa aquela luz forte no céu. Nessa noite Elisa lembra-se bem, era dia de uma nova. Colocou na aparelhagem um som de tal forma bonito que a fez sorrir e respirar devagar. Agora pouco ou nada lhe interessava, a não ser aquela luz e a canção que tocava. A sua forma de estar no mundo permitia-lhe duvidar que existissem más pessoas, maus momentos ou surpresas desagradáveis.

Elisa lembrara-se nesse momento da sua avó, partira na noite anterior mas tinha-lhe deixado um recado entre-linhas na última vez que estiveram juntas:

- Nunca duvides do amor que há na família. Não procures no tempo e no espaço perguntas às quais não saberia eu responder. Não duvides que no mundo haverá alguém que ama esse teu jeito desengonçado e ao teu nariz que tu dizes ser feio. Lembra-te de mim cada vez que olhares a lua e não te preocupes com nada, estarei a olhar por ti lá onde estiver...

Nessa noite, Elisa adormeceu com o pêndulo do balouço no tecto do seu quarto, a lua de feições enormes embalaram-na para um sono tranquilo e lá, bem ao lado da lua uma estrela brilhava. Recorreu ao livro de astronomia e ao mapa do céu que tinha na parede onde se encontrava a cama e tentou descobrir qual era. Reparara numa marcação a lápis azul...

- Ah! Já sei qual o teu nome...

Foi acordada pelos pais que tinham uma notícia para lhe dar mas Elisa, com a sua perspicácia apesar de tenra idade disse:

- Não precisam de me dizer nada. Já sei quem está ao lado da lua e a olhar para mim...

A mãe pouco ou nada soube dizer, o pai saiu do quarto, nele Elisa permaneceu deitada no balouço em forma de meia-lua à espera que a noite chegasse e voltasse a ver a avó, agora de forma diferente mas com a garantia que seria para sempre. Da gaveta tirou um velho passpartout e nele uma foto com quase quinze anos, uma bebé ao colo de uma senhora distinta. A mãe, ao ver aquela fotografia emocionou-se ainda mais porque percebeu a ligação especial entre ambas.

O dia acordou cinzento mas o céu ficou mais azul da parte da tarde. Elisa levantara-se do balouço, sorriu para o infinito a pensar "Espero que tenhas chegado bem e já sei que vais estar bem para sempre...". Deu um beijo na fotografia e adormeceu, acordou com o brilhar forte da lua naquele quarto onde pouco ou nada conseguia ver, mas aquela bola branca arredondada era o que precisava para acordar feliz todos os dias que se seguiriam até voltar a encontrar.... a mulher agora em formato de uma estrela...


In "Reflexus"
Francisco Milheiro
Junho 2012

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Cheirinho do novo livro

Capítulo I

 Apagou a luz do quarto e ficou com os olhos postos no tecto, a olhar o branco quase imaculado, do lado esquerdo a mesinha de cabeceira com o relógio oferecido pelo seu pai aquando da partida para Northfolk a algumas horas de Londres. Esqueceu por momentos o motivo que o levara a fazer a viagem e pouco ou nada sabia sobre o futuro, não sabia se voltaria à capital onde os meses de inverno se prolongam por mais uns meses que no resto do mundo. Lá fora, o céu relativamente estrelado fê-lo voltar à velha infância, no tempo em que percorria os campos despreocupados com Patrice, amiga do peito, primeira namorada a quem dera o primeiro beijo. Fizeram juras de amor hoje incompreendidas e causadoras de sorrisos parvos com os amigos aviadores da RAF... Permaneceu assim, acordado, ainda vestido com a camisa acastanhada, lá fora os cães ladravam quando ouviam sons esquisitos. Os barulhos diurnos não o incomodavam ainda que adormecesse sobressaltado com o que passara... Pegou numa pena e num papel e começou a escrever para casa, em busca de conforto que não encontrara naquele quarto grande. Na mesa estava uma fotografia dele com o avô. Suspirou e disse baixinho:

 - Fazes-me tanta falta...

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Uma varanda para o rio

- Desculpa, mas agora não percebi...! - O quê? - O que me disseste. Primeiro dizes para não te esquecer e assim de um momento para o outro perguntas o nome e não sabes quem sou. - Mas quem te disse isso? Não fui eu... - Desculpa mas foste. - O que se passa comigo? - Enquanto soluçavas eu amparei-te num abraço, estavas assustado e eu comecei a ficar por te ver assim. Se calhar é melhor recuar um pouco no tempo e vermos como tudo ficou diferente. - O pai está doente, não se dá conta? - Eu estou óptimo! Sinto-me dez anos mais novo. Mas olha, o que faz aquela flor ali no chão? - Paizinho, vamo-nos acalmar. É um vaso. - O que é isso? - É para deixar as plantas lá. Vamos fazer um teste, quer? - Um teste? De quê? - Vou-lhe fazer umas perguntas, assim vai-me respondendo com sim, não ou talvez. - Vou tentar... - Sabe quem sou? - Sei. - Está bom tempo? - O rio está lindo... - Não pai! Não foi isso que lhe perguntei. Diga-me só sim, não ou talvez... Está bom tempo? Desataste num pranto, falando mal sobre o teu pai, insultaste a tua mãe, minha avó que sempre amaste e dizias que o teu cão era estúpido, que não sabia voltar para casa. - Tail! Onde estás? - Pai... já não tens esse cão, foi enterrado há quatro anos depois de dois anos a sofrer... - Preciso de o ver! Onde está? - Então, não te lembras? Está ali naquela árvore, perto do rio onde ele sempre gostou de estar. Ainda me lembro que o ia buscar à garagem e o trazia para o meu quarto. Ficavas chateado comigo? - Não, mas a tua mãe sim. - Como te lembras de tanta coisa de há muitos anos e de coisas simples não? Fizeste um silêncio perturbador, querias sair dali o mais depressa possível. Olhaste para mim com vontade de me pedir ajuda e ao mesmo tempo desculpa mas nada disseste. O teu ar assustado deu-me vontade de chorar, de pedir ajuda, mas estamos longe de tudo e de todos. Desde que a mãe morreu e tu quiseste sair da casa da cidade mudaste para o campo e permaneceste, ainda que com poucas condições. - Pai, o que é feito de ti? - Estou com frio... - Vá! Vamos para dentro? - E se chega o Tail? - Não te preocupes... eu vejo-o chegar e abro a porta, ainda tenho o meu quarto lá em cima arranjado. - Queres ficar cá? Podia preparar algo para nós... - Sim, fico. Quero um chá. Vou ligar a lareira. - Eu vou à cozinha buscar o que me pediste. Acendi a lareira e tu, voltaste com uma fatia dura de pão. - Está bom assim? - Sim Pai, obrigado! Era mesmo isto que eu queria. O silêncio que fizeste foi perturbador, eu não dissera nada de errado. Olhaste mais uma vez para mim com um ar agoniado, triste com o que se passava à tua volta. - Queres que te ajude a vestir o pijama? - Não. Eu ainda sei arranjar-me sozinho. - Ainda assim eu vou contigo. Já viste o tempo que passou desde que estivemos todos juntos nesta casa? - Ainda o teu cão era vivo e eu namorava a tua mãe. Há quanto tempo é que...? - Fez ontem dois anos. Mas não vamos ficar a falar de coisas tristes. Vamos falar sobre ti. - Que queres que diga? Pouco ou nada sei... - Vá Velhote, faz um esforço... - Para que serve isto que está ali no chão? - Onde? No alpendre? - São flores? - Sim, são! - E estão no chão? - Caíram com o vento. - Vou lá pô-las de novo em cima do parapeito. A tua mãe ainda fica chateada comigo por vê-las ali. - Pai, a mãe já não volta. - Então e eu? - Estás aqui comigo, ainda preciso muito de ti... - Uiui! - Que foi isso? - Nada! Estou a chamar o Tail! - Vá... o Tail está com a mãe. - Não o posso ver? - Agora não, talvez amanhã de manhã te leve a passear junto ao rio... - Que faz ele? - Dorme descansado... - Gostava tanto de fazer o mesmo. Achas que deva regar a planta? - Não te preocupes, eu faço isso. - Vou-me deitar, antes que a tua mãe chegue... - Fazes bem! Eu trato de tudo. - Obrigado Filho. Obrigado... Saíste da sala em direcção ao quarto, deitaste-te com a roupa que tinhas colada ao corpo. Olhaste pela janela e viste a lua a brilhar... O rio estava calmo, passei pelo teu quarto e falavas sozinho: - Maria, o nosso filho pensa que estou maluco. Mas tu sabes que não é verdade. Porque não me levas para a tua beira? Estou certo que o Tail tem saudades minhas, aquele maroto. Lembras-te quando subia as escadas para dormir no quarto do nosso filho? Fechei-me no quarto e chorei, como uma criança... Não reconheci o meu velho pai, já não é ele, é apenas um corpo de alguém que já foi... Mas eu não deixarei de ser... Francisco Milheiro "Recordações de uma aldeia" Maio 2012

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Folha em branco, obrigado por tanto

A noite vai chegando e entrega-me sem pensar o seu sossego e silêncio. Os minutos vão passando e eu fico-me pela escrivaninha, quem sabe do lado de lá da noite me traga alguma tranquilidade e inspiração para divagar na folha que há muito está branca. O incenso faz-me libertar ainda mais o meu espírito que tende a desprender-se do meu corpo para me deixar escrever ou pensar alto, no papel. Abro a janela e sopra um ligeiro vento da serra, do outro lado da rua soam acordes de uma melodia que não consigo reconhecer. Deixo-me ficar a ouvir até o som se esvoaçar e as notas sonantes se perderem do outro lado da rua, bem perto do meu quarto. Os minutos vão passando e a folha vai mostrando algumas palavras que no momento saem mas por muito que queira não as consigo entender. Até há bem pouco tempo o silêncio e as histórias tristes faziam parte de mim, o quotidiano nada mais era que o realizar de tarefas árduas e desinteressantes mas tudo mudou num segundo. Hoje, quando acordo sinto a felicidade inundar-me o espírito, e é com ele que parto para o mundo com vontade de o conquistar. Não é que tenha pertenções de mudar o mundo na sua totalidade, mas há muito que quis fazer parte da sua realidade. O mundo esteve fechado para mim mas sinto finalmente que abriu uma janela, bem lá no cimo, no sótão. Guardei todas as minhas forças acumuladas ao longo de um ano e tal e sorri quando a alcancei. Era tão importante partilhar este momento que não sei se o fiz da melhor forma mas fica a certeza que o fiz de coração aberto. O tempo vai passando e a noite traz-me conselhos que me fazem acreditar que estou no caminho certo. Sei que a viagem ainda agora começou mas as pegadas que aparecem desenhadas a meu lado fazem-me perceber que estou bem acompanhado. O som das melodias fazem-me entrar noutra dimensão e perceber um pouco mais do meu coração. Há dias em que a felicidade não é mais do que um vocabulário num dicionário estudado por todos mas apenas uns conseguem perceber o seu significado. Vou desfolhando este dicionário que agora possuo e descubro palavras que até há bem pouco tempo não existiam ou não eram visíveis a olho nu: amizade, abraço, beijo, bondade, carinho, cumplicidade, interacção, verdade... São tantas as palavras que me aparecem no dicionário, vou estudar um pouco melhor e perceber se elas entraram na minha vida ou fui apenas eu o estafeta que entregou tudo isso e algo mais. As horas vão passando e eu, acumulo a experiência que um dia achei inatingível a alguém como eu, limitava-me a aceitar tudo o que os outros queriam para mim e não respondia porque achava ser um acto de má educação. Até há bem pouco tempo a realidade não era mais do que o estar acordado e vivo, mas vivo para quê? Para quem? Alguém importante um dia disse-me: Por muito que procures, a felicidade vai- se esconder até ao dia em que estiveres preparado para lhe dar o devido valor. Não procures a felicidade, vive! Essa tal de felicidade encontrei em amigos que fiz, em amigos que deixaram a sua marca em mim... ensinaram-me que a felicidade está num simples olhar e num sincero Obrigado. Muitos desses amigos estão aqui, outros infelizmente partiram. A caneta está a chegar ao fim, mas ainda tenho força para deixar escrito no céu de cada um de vós: - Obrigado por tanto! Obrigado do fundo do coração! Francisco Milheiro (Retirado dos "escombros" do disco externo)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Carta ao entardecer

Meu Amor, Sei que já me esqueceste, mas ainda assim gostava de te relembrar o quanto foste importante para mim. Meu Amor, eu sei que o tempo não perdoa, as horas passam e não voltam sequer atrás, eu sei que o teu interesse por mim esvaneceu, esmureceu como aquela noite que surgiu com tempestades sem aviso prévio. O meu amor foi crescendo mas o teu coração não era mais do que um lugar reservado e ocupado por alguém que não eu. Nesta praia vou caminhando e chorando as lágrimas que teimei, por ser homem, em não chorar à tua frente. As vezes em que precisei de te pedir desculpa não tive coragem, as vezes que errei não foram suficientes para aprender a lição. O tempo foi passando, e o meu lugar foi ficando… guardado noutro lugar que não o teu coração. O sol está-se a pôr na praia em que passeámos diversas vezes, em que nos deixámos ficar para lá da hora marcada, momentos esses sempre interrompidos pelo barulho das ondas nas rochas que ficavam firmes aos nossos pés. O cheiro do teu cabelo ainda o reconheço, o teu rosto peço… para tocar e nunca mais o largar. Falámos vezes sem conta sobre a formula mágica de guardarmos os momentos e de nos recriarmos para sempre mas o tempo, mais uma vez, se encarregou de fazer o contrário. Hoje, sei que não me reconheces, já nem sequer sabes o meu número, sou apenas mais um da tua lista telefónica, que sei, ainda está ao lado do piano da tua sala. Sabes, meu Amor? No outro dia sonhei contigo. Sonhei com o tempo em que éramos um todo, o ar de jovens apaixonados estava estampado nos nossos rostos, a cada manhã olhava o espelho e nele via reflectido o teu. Era sinal de amor verdadeiro, de amor sem interesses, apenas no bem que fazíamos mutuamente. As horas vão passando, não voltam a repetir-se aquelas saídas nocturnas só para te dar um beijo de boa noite, que acabavam sempre com a mesma frase: - É por estas maluquices que te amo cada vez mais! Foi por ti que deixei de dormir para poder escrever meu Amor, esta e outras cartas que não chegaste a ler. Sei que agora estás sentada na tua cadeira, feita poltrona com os pés assentes num pequeno banco de apoio e durante o dia estás virada para o mar… O tal em que mergulhavas comigo, dizendo: - Se esta onda for a última que o mar tenha força para criar quero que ela nos atinja com a sua força e dê uma nova alma para este amor não acabar. Foram tantas as vezes em que olhavas para mim, tu no mar e eu sentado na areia, e com um sorriso dizias: - Meu amor, a água está óptima. Deixa-me partilhar este momento contigo! Nunca resisti a uma chamada tua, ficava sempre nervoso quando entrava mas sabia que estaria nos teus braços para nunca mais te largar… Fizeste-me, sem culpa, acreditar num amor verdadeiro, único e real, aqueles que só acontecem nos filmes, mas a nossa vida era, infelizmente vida! Estou aqui a escrever à beira-mar e estou a imaginar-te ler esta carta, com um leve sorriso no rosto de menina (que ainda sei que preservas) e uma furtiva lágrima porque conseguiste por momentos, relembrares quem foste. Eu ainda sei quem sou, mas tu infelizmente, já não te reconheces nem ao espelho. Os anos foram passando e a natureza humana (cruel) fizeram-te refém num corpo de mulher de idade. Se este for o meu último dia na terra, quero que saibas, vou feliz, porque consegui por momentos recordar o passado em que fui feliz e a pessoa que sempre quis… esteve comigo, naquela praia, naquelas rochas, naquele oceano, naquela vida. Hoje talvez te escreva para dizer Adeus ou até breve, sei que nos vamos voltar a ver e que nesse dia vais sorrir porque me vais reconhecer. Vais voltar a sentar-te ao piano, passearás comigo numa outra praia, mas com o mesmo sorriso e a mesma vontade: Estar para viver… Recordar para não mais esquecer! Francisco Milheiro 12 de Junho 2011

domingo, 6 de maio de 2012

Um café com tempo para o amor

O São Pedro parecia determinado a adiar mais um café, entre mim e a mulher com quem tenho conversado ultimamente. Desculpou-se inicialmente porque não tinha o cabelo arranjado, que se sentia horrível ao ver o seu cabelo reflectido no espelho do quarto. Durante dias, depois meses fomos conversando sobre tudo o que nos vinha à cabeça, depois sobre o que queríamos ser em adultos, os anos passaram e eu concretizei o sonho de menino, dar a volta ao mundo em oitenta dias... Ela fora como passageira, eu um simples comissário de bordo. Aproximei-me com um tímido sorriso e disse: - Bem-vinda! Estarei disponível para o que precisar. Sentira o peso de ter de ser agradável, agradeceu e colocou uns óculos tipo máscara. Todas as vezes que passava por ela tentava desviar o olhar... mas era impossível. Ela era linda, e ali, a muitos mil metros de altitude senti-me apaixonado. A viagem terminou em Bali, desde que aterrámos, nunca mais a vi. Lembro-me que lhe deixara o meu email, disse com um sorriso: - Obrigado, entrarei em contacto sempre que precisar de algo. Saiu do avião, aquela dança de ancas deixou-me colado ao chão, até que ouvi: - Está pronto para fazer o biefring? Percorri o avião de forma decidida, à vinda deixei-me ficar sentado no lugar dela. Uns seis meses mais tarde recebi um convite para conversar na internet, aceitei de imediato, reconhecera logo o nome. Após quase uma hora de conversa parva, mas de certa forma interessante convidei-a para um café na cidade onde nos conhecemos. Inicialmente declinou o convite, depois disse SIM em caps. O tempo passou e finalmente cruzou-nos. Estava na mesa do canto com o meu bloco de notas azul de capa dura e os meus olhos inexplicavelmente ergueram-se para a ver chegar. Chegou num passo normal de fim-de-semana, com os seus longos cabelos soltos, os óculos apoiados na sua cabeça arredondada. Trazia uma saia lisa e um pólo muito feminino. Da forma mais natural possível levantei-me, dei um passo à frente e disse um expressivo olá. Sorriu para mim e disse: - Olá! O que queres tomar? - O mesmo que tu. - Muito bem! Olhe por favor, são dois cafés, um com casca de limão. Respirou profundamente e perguntou: - E então, que tens feito? - O mesmo de sempre, viajar por esse mundo fora. - E esse coração? Voa também ou está enterrado nalgum lugar? - Sinceramente? A última vez que o vi estava em Bali. - É pena. Não queres lá voltar para o trazer? - Porque não? Lembro-me muito bem o que disseste: - Mesmo que esse amor tenha nascido longe, quase do outro lado do mundo, não quer dizer que não o possas resgatar num segundo. Ainda bem que fiz aquela volta ao mundo, deu para perceber que ainda há pessoas que nos fazem voltar ao lugar de sempre, sentir o cheiro do mesmo mar, ouvir os mesmos sons do mar e ter o mundo aos pés num curto espaço de tempo. Francisco Milheiro 5.12.2011

sábado, 5 de maio de 2012

Em viagem... por terras douradas

Decidi dar-lhe o nome de Maria, pelo que me lembre não conheço nenhuma mulher só chamada Maria, então estou à vontade para o fazer. A Maria era mais uma mulher espalhada no mundo, de si pouco ou nada se sabia, ninguém sabia o seu nome real, a sua idade verdadeira, muitos falavam que sua mãe morreu no parto, ao mundo entregue a si própria ficou Maria. Não tem conotações verdadeiramente religiosas ou socio-políticas, pareceu-me apenas bem chamar-lhe assim. Todos os anos, pelo Natal Maria ficava melancólica, triste a pensar na mãe, curiosamente ou não, foi pela altura de Natal que o seu coração se abriu para um homem, vá, um menino na altura, de seu nome Frederico. Maria estudava em Coimbra na área que sempre gostara, pelo menos nisso teve o apoio de seu pai, Eduardo. Entrara em Letras pouco tempo depois do 25 de Abril de 74, nessa altura a política passava-lhe ao lado, e ainda hoje pouco ou nada sabia sobre a filosofia dos partidos, a ela interessava-lhe saber quem era Camões, ler sobre Pessoa, devorar Florbela e viajar pelas paragens de Kafka. Refugiou-se em Praga o tempo necessário para escrever o seu primeiro romance "A minha história igual às outras", idealizara uma mulher bem diferente mas com um percurso de vida relativamente idêntico, cantou canções de poetas que gostava, tocou na rua como uma vagabunda e interessou-se ainda mais pela vida na República Checa. Maria regressara a Portugal uns meses depois de começar o boom da economia em Portugal, depois da Troika ter passado por Lisboa. Na rua passeava despreocupada, encontrava-se num mundo só seu, era engraçado passar nas livrarias e ver as pessoas pegarem nos seus livros e pagaram uma quantia simbólica, duzentos escudos. O primeiro contracto com a editora "Livrinhos" foi recheado de colapsos, não só por parte dela por perceber pouco do assunto mas também por eles porque era a primeira mulher em quem apostara. Maria, cansada de erros decide pôr termo à vida de escritora como profissional das palavras escritas e iniciara-se na vida do ensino, acabou por ser destacada em mil novecentos e oitenta e dois para Mirandela, no distrito de Vila Real. Em Lisboa deixou a sua casa velha, que pertencera à sua mãe, deixou o pai bem instalado num lar e prometera-lhe fazer visitas regulares. Pouco tempo depois de estar sedeada em Mirandela recebeu uma chamada do director do lar onde estava a viver o seu pai, tivera uma síncope e não resistira apesar dos esforços envidados pelos médicos e enfermeiros presentes. Maria entrou num estado depressivo e voltou para Lisboa, apesar do seu estado não conseguiu derramar uma única lágrima, tinha a noção que já chorara tudo na viagem de regresso, fizera de carro com uma chuva aparentemente tropical. Falou com a escola que a contratara e pediu uma licença sem vencimento. Afirmaram que estavam à inteira disposição para a ajudar no que fosse preciso. Não precisava de nada, afirmara com uma voz ainda embargada, decidiu passar pela casa de Lisboa e ficou por largos minutos a contemplar as paredes que tanto lhe diziam, deitou-se na cama feita dos pais e partiu para Praga. O avião aterrou poucos minutos depois das oito horas. Regressou à mesma praça onde sorriu com Frederico, reservou o mesmo quarto da pensão onde estivera e leu Kafka horas a fio. Deixou-se adormecer com o livro na barriga e dormiu um sono bom, acordara com Praga com sol. Viu ao longe o Vtlava e ouviu ópera. A vida encarregar-se-ia de escrever uma nova página e ela pronta para a começar a ler.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Coisas que sei ou julgo saber

Sei com certeza, De vez em quando Soltar uma gargalhada Sonho contudo por vezes Numa ou outra coisa aparvalhada Escrevo sobre o mar, O amor, o desejo Escrevo sobre o Porto, Lisboa E Alentejo Leio poesia que me atrai Canto canções de músicos conceituados Falo sobre paixões, amores E casos mal amanhados Escrevo sobre história Apesar de ela pouco saber Todos os casos importantes Aconteceram antes de nascer Procuro saber o que não sei Com verdade que busco em mim Procuro sempre uma oportunidade De fazer ou plantar num jardim Sinto as folhas das árvores Caindo em pleno outono Sei do frio que faz no mundo Mas isso não me tira o sono Vou voando em ilusões Nas poesias que me saem sem saber Aquilo que eu quero Por vezes, dizer Tenho sorte na amizade Tive até um pouco no amor Magoem-me com a verdade Que posso bem com essa dor Procuro prazer Em coisas simples da vida Vou escrevendo sobre o amor Vivido numa noite de Tavira Escrevo sobre a calçada de Lisboa E dos prédios da Ribeira Divago sobre Goa E sobre frases de Videira Francisco Milheiro Maio 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Miles Davis numa rua da Baixa

12/03/2012
A tarde solarenga convida a um passeio no intervalo de almoço e contemplar lugares que a cidade tem para oferecer. Encosto-me a uma esquina da avenida, apanho um bom sol e oiço um trompete parecido ao de Miles Davis. Encostado, sentado no tronco de uma árvore entoa temas ao estilo jazístico de Nova Orleães. Fechando os olhos ouve-se Woody Allen com o seu quinteto. Uma coluna gasta pelo uso serve de suporte, uns passam com pressa sem repararem, outros põem a mão no bolso e deixam uma moeda, por mais pequena que seja. O homem, concentrado na respiração sorri com o olhar numa espécie de obrigado misericordioso. Juntam-se alguns curiosos estrangeiros e assistem maravilhados aos sons que saem do trompete dourado gasto. Os Clérigos imponentes ao longe fazem-me viajar até lá e contemplar os sons que evocam Miles, Chet e companhia. O homem com a pele escura fruto de dias a trabalhar ao sol guarda o instrumento, olha o amontado de moedas e sorri naturalmente. Vai rua acima reconfortado porque muitos compreenderam os seus medos e sonhos expressos em notas que ecoavam na praça. Francisco Milheiro @ Baixa do Porto