sábado, 5 de maio de 2012

Em viagem... por terras douradas

Decidi dar-lhe o nome de Maria, pelo que me lembre não conheço nenhuma mulher só chamada Maria, então estou à vontade para o fazer. A Maria era mais uma mulher espalhada no mundo, de si pouco ou nada se sabia, ninguém sabia o seu nome real, a sua idade verdadeira, muitos falavam que sua mãe morreu no parto, ao mundo entregue a si própria ficou Maria. Não tem conotações verdadeiramente religiosas ou socio-políticas, pareceu-me apenas bem chamar-lhe assim. Todos os anos, pelo Natal Maria ficava melancólica, triste a pensar na mãe, curiosamente ou não, foi pela altura de Natal que o seu coração se abriu para um homem, vá, um menino na altura, de seu nome Frederico. Maria estudava em Coimbra na área que sempre gostara, pelo menos nisso teve o apoio de seu pai, Eduardo. Entrara em Letras pouco tempo depois do 25 de Abril de 74, nessa altura a política passava-lhe ao lado, e ainda hoje pouco ou nada sabia sobre a filosofia dos partidos, a ela interessava-lhe saber quem era Camões, ler sobre Pessoa, devorar Florbela e viajar pelas paragens de Kafka. Refugiou-se em Praga o tempo necessário para escrever o seu primeiro romance "A minha história igual às outras", idealizara uma mulher bem diferente mas com um percurso de vida relativamente idêntico, cantou canções de poetas que gostava, tocou na rua como uma vagabunda e interessou-se ainda mais pela vida na República Checa. Maria regressara a Portugal uns meses depois de começar o boom da economia em Portugal, depois da Troika ter passado por Lisboa. Na rua passeava despreocupada, encontrava-se num mundo só seu, era engraçado passar nas livrarias e ver as pessoas pegarem nos seus livros e pagaram uma quantia simbólica, duzentos escudos. O primeiro contracto com a editora "Livrinhos" foi recheado de colapsos, não só por parte dela por perceber pouco do assunto mas também por eles porque era a primeira mulher em quem apostara. Maria, cansada de erros decide pôr termo à vida de escritora como profissional das palavras escritas e iniciara-se na vida do ensino, acabou por ser destacada em mil novecentos e oitenta e dois para Mirandela, no distrito de Vila Real. Em Lisboa deixou a sua casa velha, que pertencera à sua mãe, deixou o pai bem instalado num lar e prometera-lhe fazer visitas regulares. Pouco tempo depois de estar sedeada em Mirandela recebeu uma chamada do director do lar onde estava a viver o seu pai, tivera uma síncope e não resistira apesar dos esforços envidados pelos médicos e enfermeiros presentes. Maria entrou num estado depressivo e voltou para Lisboa, apesar do seu estado não conseguiu derramar uma única lágrima, tinha a noção que já chorara tudo na viagem de regresso, fizera de carro com uma chuva aparentemente tropical. Falou com a escola que a contratara e pediu uma licença sem vencimento. Afirmaram que estavam à inteira disposição para a ajudar no que fosse preciso. Não precisava de nada, afirmara com uma voz ainda embargada, decidiu passar pela casa de Lisboa e ficou por largos minutos a contemplar as paredes que tanto lhe diziam, deitou-se na cama feita dos pais e partiu para Praga. O avião aterrou poucos minutos depois das oito horas. Regressou à mesma praça onde sorriu com Frederico, reservou o mesmo quarto da pensão onde estivera e leu Kafka horas a fio. Deixou-se adormecer com o livro na barriga e dormiu um sono bom, acordara com Praga com sol. Viu ao longe o Vtlava e ouviu ópera. A vida encarregar-se-ia de escrever uma nova página e ela pronta para a começar a ler.

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