sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Sonho exclusivamente

"... Eu nunca fiz nada senão sonhar. Tem sido esse, e apenas esse, o sentido da minha vida. Nunca tive outra preocupação senão a minha vida interior. As maiores dores da minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para dentro de mim, pude esquecer-me na visão do seu movimento. Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me falou de viver, nunca prestei atenção. Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim. Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar.
À vida nunca pedi senão que passasse por mim sem que eu a sentisse. Do amor apenas exigi que nunca deixasse de ser um sonho longínquo. Nas minhas próprias paisagens interiores, irreais todas elas, foi sempre o longínquo que me traiu, e dos aquedutos que se esfumam, uma doçura que faziam com que eu as pudesse amar, a minha mania de criar um mundo falso acompanha-me ainda, e só na minha morte me abandonará.
Tudo o que sou está nisto, e mesmo aquilo que em mim mais parece longo de destacar o sonhador, pretence sem escrúpulo a alma de quem só sonha, elevada ela ao seu maior grau... Porque eu não sou só um sonhador, mas sou um sonhador exclusivamente..."
De Bernardo Soares

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